segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Em Defesa de São Jorge (Contra a Nova Resistência)


por Davi M. Simões

Escrupulosamente, sempre que escrevo, objetivo falar muito bem de Nosso Senhor e Sua Esposa, a Igreja. Tento, dadas as minhas limitações (intelectuais, culturais e estilísticas), honrar a Tradição. Se já escrevi algo inaceitável à Doutrina de Cristo foi antes por ignorância que má intenção, e estou disposto a me retratar prontamente.

Aqui me encontro, novamente, em defesa da Fé. Fiquei sabendo que a seita de “metaleiros doidões”, a Nova Resistência, escolheu São Jorge como padroeiro. Ora, como um grupo abertamente pagão, que exalta cultos afro-brasileiros e inclusive regimes islâmicos, pode escolher um santo martirizado por bradar justamente que todos os deuses dos pagãos são demônios?

São Jorge foi um cavaleiro romano da região da Capadócia, hoje Turquia, do século III. Nasceu de família piedosa e cristã. Em plena época de perseguição romana aos católicos invadiu a corte do imperador Diocleciano e o repreendeu pelo culto aos falsos deuses.

“Os santos nunca hesitaram em depredar os ídolos, destruir os seus templos, fazer legislar contra as práticas pagãs ou heréticas. A Igreja – sem nunca forçar a crer ou receber o batismo – sempre se recomendou o direito e o dever de proteger a Fé de seus filhos, e impedir, quando podia, o exercício público e a propaganda dos falsos cultos.” (Pe. Matthias Gaudron).

O santo guerreiro foi um soldado valoroso e destacado. Um dia doou todos os seus bens aos pobres, trocou a armadura por uma roupa modesta e começou a admoestar corajosamente os idólatras. Dizia, como está nos manuscritos cópticos: “Tornar-me-ei um soldado do Senhor Jesus Cristo, o Rei dos Céus”. Mas foi precisamente o seu martírio, que converteu massivamente. Foi torturado por dias a fio, de formas inimagináveis. Colocaram sal em suas chagas e no fim, dia 23 de abril, tiveram que decapitá-lo, pois ele não negou sua fé. Até estendeu seu pescoço com alegria. A esposa do imperador se converteu e o torturador também.

Disse Nosso Senhor: “E quanto àqueles meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim.” (Lucas 19,27). Ser um soldado do Rei dos Céus, como foi São Jorge, é entender que Sua realeza não se restringe apenas aos batizados. Como sustenta Leão XIII: “Seu império [de Cristo] não se restringe apenas, exclusivamente, às nações católicas, nem somente aos cristãos batizados (...): abrange, igualmente, sem exceção, todos os homens, mesmo estranhos à Fé Cristã, de sorte que o império de Cristo Jesus é, em estrita verdade, a universalidade do gênero humano.”

No “Catecismo Católico da Crise na Igreja” o Pe. Matthias Gaudron explica por que honrar a Deus publicamente. A sociedade temporal deve necessariamente se submeter à Religião Católica: “Jesus Cristo – que é o único Mediador entre os homens e Deus – nunca é facultativo. E a Igreja Católica, que é a única Igreja de Cristo, muito menos.

Leão XIII ensina: ‘Honrando a divindade, as sociedades políticas devem seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais Deus, ele mesmo, declarou querer ser honrado’.”

Para o Pe. Gaudron a Igreja e o estado, embora sendo duas sociedades distintas, não só não devem estar separados, “mas sua estrita separação é absurda e antinatural. O homem não está dividido em um cristão e um cidadão. Ele não deve ser cristão apenas em sua vida privada, mas em todos os domínios de sua vida. Deve, portanto, empreender uma política cristã, esforçando-se por colocar em acordo as leis civis com as leis divinas.” 

E mais à frente, continua: “Quando uma população é majoritariamente católica, o catolicismo deve ser a Religião do Estado. (...) As falsas religiões são um mal contra o qual o Estado católico deve proteger seus cidadãos. Deve, pois, proibir ou limitar tanto quanto possível o exercício público e a propaganda dos falsos cultos.”

Escreveu São Pio X, na Vehementer nos“Que seja preciso separar a Igreja do Estado é uma tese absolutamente falsa, um perniciosíssimo erro. Baseada, com efeito, sobre aquele princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso, é gravemente injuriosa a Deus; pois o Criador do homem é também o fundador das sociedades humanas, e Ele as conserva na existência assim como nos sustenta nela. Nós Lhe devemos, portanto, não apenas um culto privado, mas um culto público e social para O honrar. Além disso, aquela tese é a negação muito clara da ordem sobrenatural. Ela limita, com efeito, a ação do Estado à mera busca da prosperidade pública durante esta vida (...).”

Como pode São Jorge ser padroeiro de pagãos adoradores do falo e defensores de aiatolás? A devoção ao santo veio para o Ocidente trazida pelos cruzados. Ele, em espírito, apareceu na primeira cruzada, instigando os soldados a avançarem contra os infiéis, e simultaneamente na Reconquista, no milagre da Batalha de Alcoraz. Assim retrata uma crônica da época: (...) Invocando o Rei [Sancho Ramírez, rei de Aragão] o auxílio de Deus Nosso Senhor, apareceu o glorioso cavaleiro e mártir São Jorge, com armas brancas e resplandecentes, sobre um muito poderoso cavalo ajaezado com paramentos prateados. Ele trazia um cavaleiro na garupa, e ambos com cruzes vermelhas nos peitos e escudos, divisa de todos os que naquele tempo defendiam e conquistavam a Terra Santa, e que agora é a Cruz e o hábito dos cavaleiros de Montesa. E fazendo o sinal ao cavaleiro que vinha na anca para que apeasse, começaram a combater os dois de modo tão forte e denodado contra os Mouros, de davam-lhes golpes tão mortais, um lutando a pé e o outro no cavalo, que abriam clareiras por onde quer que iam, e reuniam e acaudilhavam os Cristãos. O cavaleiro que trouxe o Santo Mártir São Jorge, diz a história de São João de la Peña alegada por Zurita, era alemão, e naquele dia e hora pelejava em Antioquia junto com os demais cruzados. Mas os Mouros abateram seu cavalo e rodearam-no para matá-lo; neste momento, apareceu o glorioso São Jorge, sem que o bom cavaleiro alemão entendesse nem soubesse quem era... e ajudou-o a subir na garupa do cavalo, e o tirou da batalha, e instantaneamente transportou-o para Aragão, ao local onde se dava a batalha do rei com os Mouros, então lhe fez sinal que apeasse e pelejasse (...) Espantaram-se os inimigos da fé vendo aqueles dois cavaleiros cruzados, um a pé e outro no cavalo. E como Deus os perseguia, começaram a fugir a ver quem mais podia. Pelo contrário, os cristãos, embora ficassem maravilhados vendo o novo estandarte da Cruz, alegraram-se, e redobraram seus esforços ferindo os Mouros: e assim os enxotaram do campo e acabaram vencendo.” 

Nada sai da alçada da NR, e a ela tudo diz respeito. Ela é hispanista e indigenista ao mesmo tempo. É “ortodoxa” e espírita. É islâmica e hindu. É tudo aquilo em que se pode tirar um caráter esotérico. O tal do “catolicismo popular” que prega, é simplesmente o milenarismo mais delirante (algo que um novo Antônio das Mortes solucionaria) condenado pela Igreja, desde Joaquim de Fiori no século XII. Ela também é distributista (sem seus membros nunca terem lido G.K. Chesterton) e brizolista, ou seja: pari passu com a Doutrina Social da Igreja, clama pela luta de classes (?). É um grupo absolutamente insignificante politicamente, que não seria conhecido se o Aleksandr Dugin (de quem são tirados seus fundamentos filosóficos, políticos e geopolíticos) não tivesse polemizado com o Olavo de Carvalho (*) (debate em que ele conseguiu perder do velho gagá). Todo o argumento duginiano se resumiu a isto: “o liberalismo é o mal absoluto; tudo o mais é aceitável, irrestritamente”. 

O grande inspirador dos neo-pagãos e neo-gnósticos dessa cepa é o amoralista F. Nietzsche. No “Ortodoxia” G. K. Chesterton compara o “filósofo” (em verdade, entendo o alemão mais como poeta) com Joana d’Arc, dizendo que ele elogiava os guerreiros, bravos e corajosos, enquanto a donzela de Orléans era tudo aquilo. “Ela não se limitou a admirar a luta, mas soube, também, lutar. Ela não temia um exército, enquanto ele, ao que parece, tinha medo de uma vaca.” Afirma ainda que o amante da “vontade de potência” morreu impotente e demente em uma cadeira de rodas. E sagazmente observa o erudito inglês: “Nietzsche sugere-nos que pairemos acima das bestas, abolindo a única coisa que nos coloca acima delas: o sentido de pecado.”

Minha preocupação não é outra senão com os católicos (que efetivamente nem devem existir entre eles, embora tanto tentem aproximação. Se existem são bergoglianos ou da “teologia” da libertação), de serem seduzidos pelo Rasputin do Putin. Nada mais nobre que um assaltante (**) pode sair de um movimento revolucionário, moralmente relativista. O repúdio do bruxo russo ao catolicismo não é só tácito, mas foi claramente expresso em uma entrevista: "O catolicismo não pode ser uma garantia de defesa contra a Nova Ordem Mundial, porque é um estágio de transição para essa ordem (...). A Polônia está em uma situação geopolítica trágica. Ambos – isto é, a Nova Ordem Mundial e nós eurasianos – queremos privá-la do seu catolicismo (...). É necessário derrubar o Catolicismo por dentro, fortalecer a maçonaria polonesa e os movimentos laicistas decentes, promover o cristianismo heterodoxo e anti-Papa" (***). Aqui ele deixa bem claras suas pretensões nacionalistas e imperialistas contra o Ocidente e particularmente a Polônia!

Que os membros da NR não se metam no que não entendem, com sua nojenta soberba luciferiana. Que cultuem Kali, Maomé, Mishima (um gay suicida) ou o Senhor Dugin (libertador Todo-poderoso, Lúcifer encarnado, que desceu do Seu trono venusiano para destruir o Demiurgo), mas deixem São Jorge em paz!

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(*) Link para quem se interessar em ler o debate entre o Olavo e o Dugin: https://www.pdfdrive.com/os-eua-e-a-nova-ordem-mundial-um-debate-entre-olavo-de-carvalho-e-alexandre-dugin-e175944798.html

(**) O fundador da NR Fortaleza e seu irmão (autodenominados “carecas do Ceará”) foram presos em flagrante, no dia 1 de junho de 2020, assaltando uma farmácia: https://www.facebook.com/portalitaocanews/videos/um-novo-v%C3%ADdeo-mostra-de-outro-%C3%A2ngulo-a-a%C3%A7%C3%A3o-r%C3%A1pida-de-um-inspetor-de-pol%C3%ADcia-c%C3%ADv/1103779843331122/?__so__=permalink&__rv__=related_videos

https://www.facebook.com/policiacivildocearaemacao/videos/policial-civil-de-folga-reage-a-assalto-e-prende-dupla-ap%C3%B3s-roubo-em-farm%C3%A1cia-na/250810972864992/

(***) Entrevista à Grzegorz Górny, publicada na revista Fronda, nº 11-12, janeiro-junho/1998, pp. 130-146.