quinta-feira, 19 de novembro de 2015

São Francisco de Assis, o Santo Seráfico


por Davi M. Simões

São Francisco (1182-1226), “il povorello di Assisi”, possuía uma alma em que dominava o puro ardor de amor, como nos serafins, os anjos mais próximos de Deus na hierarquia celeste. Recebeu suas chagas de um serafim crucificado, indicando-o assim como um alter christus. Foi uma figura tão impressionante que até os hereges gnósticos e espíritas o reivindicam, ignorando que ele alertava para “viver e falar catolicamente”. Ele foi um yurodivy do Ocidente, um louco por Cristo, um imitador de Cristo na mendicância, antídoto contra o que viria a ser o protestantismo usurário e inimigo das artes. Era rígido, mas manso. Um penitente, um asceta, um místico! Por opção foi pobre e humilde em vida, mas é tão grande no reino dos céus que pode interceder pelas pessoas como fez e faz pelos ladrões, doentes, possuídos e até infiéis que viram e veem nele o zênite da perfeição que clareia o caminho até o pico nevado da alma. Somente ele, depois de São José, iluminou tanto o mundo.                  

Ele foi uma figura de seu tempo, mas para toda a eternidade. Primeiro um jovem profano, contudo, amante do amor cortês, tal qual um Amadis de Gaula italiano, e era admirador da França, sua origem por parte de mãe, de onde tirava inspiração nos romances cavalheirescos. Quando em um encontro com uma cruz românica de Jesus Cristo vitorioso nas ruínas da igreja de São Damião, teve uma vocação que mudaria sua vida: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja!”. Tempos depois fundaria a primeira das fraternidades, pois não se enquadrava no esquema de vida dos mosteiros eruditos e afastados, optou pela minoridade dos conventos, pelas cidades, pelas multidões, sem impedir que peregrinasse e vivesse momentos de silêncio e contemplação nas ermidas. Após sua conversão, optou pela castidade, como um bom cavaleiro de Cristo, elegendo como sua dama a pobreza. Quanto à irmã Clara, sua florzinha, como ela mesma se denominava, ele nunca a tocou com luxúria, nem mesmo reparava profundamente em suas feições.

Como eu disse, era uma figura de seu tempo, um autêntico cavaleiro de Cristo, mas sua espada era espiritual, era a justiça, e seu palafrém o próprio corpo, que ele chamava de irmão asno. Nunca desejou a felicidade na terra, sabia que era utópica; entendia a necessidade da existência da ordem e da desigualdade para a manutenção da criação. Foi antes um reformador, nunca um renovador. Como ele mesmo dizia sua alegria não era fazer milagres - embora os tenha feito -, profetizar, conhecer o curso dos astros, a essência dos elementos ou as virtudes das ervas, mas pensando nas dores de Cristo bendito vencer a si mesmo. Sua linguagem era a poesia, era um trovador misturado com bufão. Enamorado da lúcida intuição repudiava os livros, aconselhava aos irmãos terem somente os necessários para cumprir os ofícios. Tanto é que admoesta na Regra Bulada da Ordem dos Frades Menores: “Os que não têm estudos não procurem adquirir, mas cuidem que, antes de tudo, devam desejar o espírito do Senhor e o seu santo modo de operar”.

E na Carta a Santo Antônio de Pádua: “Apraz-me que leias a Sagrada Teologia aos frades, contanto que dentro desse estudo não extingues o espírito da santa oração e devoção, como está contido na Regra.”

Nesse mesmo espírito pregaria o livro “Imitação de Cristo” dois séculos depois: “Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem se despreza e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras? Renuncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há muita distração e ilusão. Não há melhor e mais útil estudo que se conhecer perfeitamente e desprezar-se a si mesmo. Ter-se por nada e pensar sempre bem e favoravelmente dos outros, prova é de grande sabedoria e perfeição”.

São Francisco de Assis fundou uma escola de gente genial com suas três ordens: a Ordem dos Frades Menores, a Ordem Segunda de Irmãs fundada por Clara de Assis e a Ordem Terceira de homens e mulheres que viviam no século com seus trabalhos e matrimônios. Foi o inspirador de nomes como o poeta Dante Alighieri, o pintor Giotto di Bondone, o escultor e arquiteto Antônio Francisco Lisboa o “Aleijadinho”, o escritor, filósofo, poeta e teólogo Raimundo Lúlio, o filósofo e cientista Roger Bacon, os filósofos e teólogos Alexandre de Hales, Duns Scoto e Guilherme de Ockham; e santos como Santo Antônio de Pádua, São Boaventura, Santa Ângela de Foligno, Santa Joana D’arc, Santo Maximiliano Maria Kolbe, São Padre Pio; e onze papas, entre eles São Pio X, que era da Ordem Terceira. 

Cego e debilitado por tanta penitência, nos últimos momentos de vida, com seus frades sob o teto de sua igrejinha preferida, a Porciúncula, despido e deitado ao solo, São Francisco deu seu derradeiro suspiro, e sua alma se transformou em uma estrela mais iluminada que o sol que subiu em direção à Pátria Celeste, de onde ele se encontra vitorioso com Deus e a Sagrada Família. Por ter sido pobre e desprezível hoje ele veste um traje ricamente adornado de ouro e pedras preciosas, e lá recebe alegremente e cortesmente a todos aqueles que se salvaram através de seu carisma.                                                                         

Aleluia, Aleluia, Aleluia!