segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Anarco-Monarquismo: Que Bicho é Esse?


“Nenhuma classe social explorou mais descaradamente as outras que a que hoje chama a si mesma ‘Estado’”.

“A anarquia que ameaça uma sociedade que se envilece não é seu castigo, senão seu remédio”.

(Nicolás Gómez Dávila)

 

por Davi M. Simões

O anarco-monarquismo é um ideal que compartilha com o mutualismo, o distributismo e o ordoliberalismo (economia social de mercado) o espectro terceiro-posicionista. O próprio termo demarca seu caráter transversal e antinômico, já que anarquia significa ausência de governo (não necessariamente ausência de ordem), e monarquia governo de um só. Uma das suas principais características é o corte anti-democrático, fazendo eco ao que cria Pierre-Joseph Proudhon ao afirmar que “a democracia é o ideal do estado projetado ao infinito”, e que “(a democracia) é muito mais custosa que a monarquia e incompatível com a liberdade”. Ele, que foi o primeiro anarquista (cunhando o nome, inclusive), também disse que “a democracia é uma aristocracia de mediocridades, (...) não é mais que a tirania das maiorias, a tirania mais execrável de todas, porque não se baseia nem na autoridade de uma religião, nem na nobreza da raça, nem em prerrogativas do talento da propriedade. Seu fundamento é o número, e sua máscara é o nome do povo”.

Na monarquia libertária o poder temporal se submeteria ao poder espiritual, sem ruptura entre o trono e o altar. O poder espiritual emana de Deus, através do Cristo Rei e sua Esposa, a Santa Madre Igreja, encabeçada pelo Papa, que é infalível ex cathedra. Quanto ao poder temporal, o estado, como instituição parasitária que é, seria meramente simbólico, onde o rei encarnaria o representante tribal hereditário do regime mais antigo, saudável e natural que há. Segundo a cosmovisão libertária defendida por Hans-Hermann Hoppe, “estados não produzem nada para ser vendido no mercado, e, como tal, suas receitas não advêm da venda voluntária de bens e serviços. Ao contrário: estados vivem da coleta de impostos, que são pagamentos coercivos coletados sob ameaça de violência”. Hoppe defende a superioridade da monarquia sobre a democracia alegando que “enquanto o monopólio estiver nas mãos de uma única pessoa, como o príncipe ou o rei, e principalmente quando ele for um monopólio hereditário, então será do interesse do monopolista – porque ele possui o monopólio e o seu valor capitalizado – preservar o valor de sua propriedade. (...) Com a substituição por um parlamento e presidentes eleitos no lugar de um príncipe ou rei não eleitos, a proteção permanece um monopólio do mesmo modo que era antes, o que ocorre é apenas isso: o monopólio territorial de proteção agora se torna propriedade pública ao invés de privada. Ao invés de um príncipe que o considera sua propriedade privada, um zelador temporário e efêmero é colocado no comando do esquema mafioso de extorsão. (...) Príncipes e reis eram soberanos diletantes, e normalmente eram dotados de uma boa dose da educação proveniente de uma criação de elite natural e do sistema de valores que a acompanha, de modo que frequentemente acabavam agindo simplesmente apenas como um bom pai de família agiria. Por outro lado, políticos democráticos são e só podem ser demagogos profissionais, constantemente apelando mesmo para os mais básicos instintos – tipicamente igualitários – à medida que cada voto é obviamente tão bom quanto qualquer outro.”

A Igreja não possui um ideal político-econômico fixo, estático, mas pela sua Doutrina Social, escrita por Leão XIII na Carta Encíclica Nerum Novarum, conseguimos extrair diretrizes para implantarmos um sistema mais justo e condizente com a razão e o Direito Natural. A diversidade de culturas neste universo sublunar nos obriga a pelejar pelo regime mais em sintonia com a tradição de nosso povo hispânico. Como diria Alberto Buela: “o mundo não é um universo, mas sim um pluriverso onde convivem várias ecúmenes culturais”. Destarte, acrescento que não nos importa as nações heréticas, neo-pagãs e infiéis, cremos que todas elas deveriam se submeter ao Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou serem conquistadas.

As ideias-força da Doutrina Social da Igreja são a prevalência da família sobre o estado, o estado subsidiário (que entre unicamente quando falte a inciativa privada), a defesa da inviolabilidade da propriedade privada (inclusive do direito de herança), assim como a cooperação das classes pela paz social, formando corporações mútuas de patrões e empregados, onde estes não lesem aqueles, e aqueles respeitem a dignidade destes, pois “a concórdia traz consigo ordem e beleza; ao contrário, dum conflito perpétuo só podem resultar confusão e lutas selvagens”. (Leão XIII).

Dois famosos anarco-monarquistas foram J.R.R. Tolkien e Salvador Dalí. Em uma carta ao filho, Tolkien afirma: “minhas opiniões políticas tendem cada vez mais para a anarquia (filosoficamente compreendida como significando a abolição do controle, não homens barbados com bombas) - ou para a monarquia “inconstitucional”. Eu prenderia qualquer um que use a palavra estado (em qualquer outro sentido que não o do reino inanimado da Inglaterra e seus habitantes, uma coisa que não tem poder, direitos nem uma mente); e (...) executaria todos se permanecessem obstinados! (...) E o trabalho mais impróprio a qualquer homem, mesmo os santos (os quais, de qualquer maneira, ao menos relutavam em realizá-lo), é mandar em outros homens. Nem mesmo um homem em um milhão é adequado para tal, e menos ainda aqueles que buscam a oportunidade. E pelo menos isso é feito apenas a um pequeno grupo de homens que sabem quem é seu mestre”.

O anarco-monarquismo autêntico, dada a ausência de centralização, predominou no medievo feudal, encabeçado pela aristocracia, que, longe de ser uma classe ociosa e burguesa, formava uma elite guerreira e destemida. Ser nobre é ser virtuoso, é ser rei que governa a si mesmo, doma a natureza com o ímpeto do caráter, sabendo dizer “não” quando necessário. Ser nobre é ser vencedor dos inimigos e de si próprio. É ser contra torrentem!

O termo “anarquia” é maldito nos orbes católicos, mas é preciso dizer que tal ideal atraiu muitos fiéis convictos; poderíamos citar dentre eles os dois que considero mais proeminentes: Guido Fawkes e Dorothy Day. Fawkes nasceu em 13 de abril de 1570 em York, na Inglaterra, lutou na “Guerra dos Oitenta Anos” na Espanha contra os protestantes holandeses e tramou, juntamente com outros companheiros, a “Conspiração da Pólvora” na tentativa de assassinar o rei protestante inglês Jaime I explodindo o parlamento, plano que foi descoberto antes de se concretizar. Sua figura foi perpetuada na cultura pop pelo quadrinho “V de Vingança” e a máscara com seu rosto se tornou símbolo assíduo em manifestações libertárias. Já Day era americana do Brooklyn, Nova York, e nasceu em 8 de novembro de 1897, foi uma jornalista e ativista social, fundando, juntamente com Peter Maurin, o Catholic Worker Movement. Em seus periódicos advogou fortemente o distributismo de G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, e, ao contrário do Fawkes, suas ações eram pacifistas.

Igualmente ao monge e ao frade, os anarquistas católicos simpatizam com a pobreza e rejeitam qualquer hierarquia. Eles alegam que São Francisco de Assis foi um exemplo de desobediência às regras do mundo, pelo repúdio ao dinheiro e objeção de pertencer a qualquer tipo de autoridade, não quis ser sacerdote, nem mesmo ministro geral da própria ordem que fundou, estando sempre submetido a alguém. Poderíamos dizer que a principal característica de toda tendência ácrata é a desconfiança do poder estabelecido e da lei. A lei não baseada no Direito Natural Integral pode muito bem ser injusta e imoral, como, seja dito, sói ocorrer. É obrigação de todo homem justo desobedecer a qualquer imposição que ameace a saúde da alma, “pois o direito natural é universal, o fogo que queima em todas as partes” (Aristóteles), expresso ou tácito, independente de raça ou cultura. A Lei Natural, que está antes e acima da lei positiva, “são os mandamentos divinos impressos no coração do homem” (São Paulo).

O anarquismo foi um idealismo anti-ideológico, uma ordem sem governo, uma rebeldia anti-burguesa e anti-comunista que se deixou ser integralmente assimilado pelo jacobinismo mais utópico, invertendo a pirâmide hierárquica que colocava no topo o homem livre senhor de si, para anulá-lo na massificação dos homens vulgares. O aristocratismo e o “apoio mútuo” autogestionário proudhonianos se deixaram submergir sob os excrementos da “igualdade” e da “liberdade” falaciosas aguçadoras dos impulsos mais animalizantes. Lamentável!