quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Impressões de um Católico Sobre a Filocalia


por Davi M. Simões

Os dois principais livros da Igreja “ortodoxa” são a Septuaginta (tradução grega da Bíblia Sagrada) e a Filocalia. Philokalia significa “amor ao belo” e é o nome de uma extensa compilação de vários volumes de textos “ortodoxos” antigos e modernos, selecionada por Macário de Corinto e aparecida primeiramente em Veneza, Itália, no século XVIII. No Brasil, por causa do relativo sucesso do livro “Relatos de um peregrino russo”, que a divulga, foi publicada pela editora Paulus a Pequena Filocalia, que é uma seleção em pouco mais de 200 páginas da Grande Filocalia.

A chamada “ortodoxia” é uma corrente cristã cismática e sem unidade, que reivindica para si toda a pureza da Igreja original, se autointitulando a única Igreja verdadeira. O cisma com Roma ocorreu em 1054 por motivos políticos e teológicos, ocasionando uma excomunhão mútua. Está no DNA dos cristãos orientais a adoração aos imperadores locais e a submissão ao império bizantino. Muitos catecismos e escritos “ortodoxos” não escondem seu rancor e até ódio à Roma eterna de Pedro e Paulo, e, por influência direta da yoga e do esoterismo oriental, é possível identificar práticas não tão ortodoxas e a brandura com teólogos de tendências gnósticas.

Ao ler a Pequena Filocalia me deparei com alguns pontos interessantes: (1) a pregação contra a necessidade das obras de caridade (não há no Oriente nada comparado conosco no aspecto de liberalidade e assistencialismo), (2) a ausência do estudo filosófico (eles consideram a fusão da teologia com a filosofia a raiz de todas as heresias), o que reflete em sua antropologia, que é limitada e carece de profundidade (isso seria resolvido com a aplicação da metafísica aristotélica) e (3) as similaridades com a espiritualidade oriental oriunda do sufismo (técnicas de respiração ao rezar as jaculatórias) e do budismo (anulação total da imaginação no momento da oração).

O livro prega o hesicasmo, que é um estágio superior de oração constante, onde o monge não cessa de recitar a “oração do coração” ("Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim"), nem mesmo ao conversar ou ao dormir. Toda a prática estaria voltada à constante lembrança de Deus. O tom enfático com que tratam do coração, da forma que é salientado, me lembra as práticas meditativas da ativação dos chakras – no caso o chakra cardíaco – pois o monge deve olhar em direção ao próprio peito enquanto ora. É cativante e irracional (o que é boa coisa) quando afirmam que os pensamentos e desejos não vêm da mente, mas do coração, que as tentações só invadem nossa imaginação, nos levando ao deleite, se estiverem já nele instaladas. “Deixar tudo, até nosso corpo, e desprezar a vida presente, a fim de não possuir, no coração, nada além de Deus”. (Filoteu, o Sinaíta).

O catolicismo combate as heresias gnósticas e iconoclastas, que não são tão abertamente criticadas pela "ortodoxia". O ódio ao corpo, como sendo sem utilidade alguma, e o repúdio às imagens tridimensionais (esculturas) são consequências desses dois erros. Também o uso exagerado dos mudras (principalmente do prithvi mudra e do bala mudra) é uma constante na missa e nos ícones. A separação com Roma deixou entrar novos ares na Igreja oriental, que não é mais tão pura como era com São Basílio e São João Clímaco.

É exatamente o contrário: a falta de ortodoxia das Igrejas orientais dá margem para infiltração de cosmovisões como a perenialista e a eurasiana, declaradamente luciferianas. A primeira aspira uma “religião comparada”, abstraindo princípios antropocêntricos universais relacionados ao divino e ao sagrado na origem de todas as religiões não católicas (claro que o catolicismo não entra nesse amálgama, por ser tóxico a qualquer forma de esoterismo, como bem notou René Guénon). Seraphim Rose, por exemplo, um hieromonge moderno, falecido em 1982, do qual o cadáver exalou por dias cheiro de rosas (“E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”. 2 Coríntios 1,14), via o perenialismo como possuidor de um caráter salvífico. E a segunda quer unir todas as religiões e culturas em seus respectivos espaços próprios e identidades, igualando a Verdade ao erro, relativizando o fato do paganismo ser uma barbárie incivilizada, desde que se lute contra o “atlantismo liberal”.

A leitura da Filocalia só contribuiu para fortalecer minha convicção intransigente na fé católica, por perceber a ausência de frutos e a falta de integridade da doutrina dos cismáticos orientais. No fim dos tempos eles, juntamente com os protestantes e outros hereges, se converterão à verdadeira e inviolada Igreja de Cristo, mas até lá muitas almas se perderão, iludidas por uma pretensa “ortodoxia”. Que os cismáticos e hereges despertem e passem a amar Nosso Senhor verdadeiramente, desinteressadamente. Que o amor sensual se converta em amor transcendente, doentio e forte tal qual a morte, como entre os esposos dos Cantares de Salomão e como Alcebíades amou Sócrates.