quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A Educação é um Dever de Todos e um Direito das Famílias


“A boa educação é moeda de ouro. Em toda parte tem valor.” (Padre Antônio Vieira)

por Davi M. Simões

Há somente uma forma de se deificar: entrando pela porta estreita que é Nosso Senhor Jesus Cristo, perfeitíssimo Homem e perfeitíssimo Deus, com sofrimento, sacrifício, desapego... imitando-O no Sagrado Lenho. Mas, antes de tudo, ao contrário do que cantavam Nietzsche e Pound, pratiquemos uma radical (desde a raiz) moralização do falar, do agir e do vestir, ou seja, da vida em sua totalidade. Que nossos atos demarquem bem a nossa desigualdade! Um homem superior deve agir de forma superior e, em tudo o que fizer, em todos os seus movimentos, lembrar Deus em sua Ordem e perfeição. Pela criação é possível saborear Aquele Que É, o ato puro, essência e existência primeva. Se há outros mundos, outras dimensões, esferas e formas de vida, os números não mudam, o Primeiro Princípio continua sendo ao mesmo tempo 1 e 3, de onde emanam a Lei Eterna e a Lei Natural.

O profano, seguidor da última moda, entusiasta dos novos tempos, influenciado pelo imanentismo de Descartes, repetidor da epistemologia cética de Hume, arauto do cientifismo de Comte - dos quais ele nunca ouviu falar - só é hábil em vomitar estultícias e falácias. Falta a educação mais primária, o básico do básico, como uma gramática com substância, uma lógica reta e uma retórica com persuasão (pathos). Pelos mandamentos impressos no coração do Homem todos sabemos quando erramos e quando mentimos, e, se erramos e mentimos, como o sabemos se não há verdade? Defender a tradição não é defender o passado, mas os valores imutáveis. “Toda política que não seja tradição é seguramente traição.” (Arlindo Veiga dos Santos). Esta é a única postura rebelde no mundo moderno, a autêntica contracultura.

A educação não é um direito, mas um dever! E não falo da educação formal, que é indecentemente pobre no Brasil, onde se adota a "pedagogia" dialética e dialógica de Paulo Freire, que não criou nenhum método novo, apenas propagandeou porcamente o marxismo. Ler o autor é aprender o que não deve ser feito (entre outras sandices, no “Pedagogia da autonomia”, Freire estimula a insubordinação do aluno perante o professor). A educação mais importante é a informal, difusa. Não chego ao nível de Illich ao pregar uma sociedade sem escolas, mas é preciso desconfiar de instituições que se estruturam partindo de gente como o pastor Comenius com sua didática racionalista; Rousseau e sua teoria do desenvolvimento infantil, que ele coroa abandonando os cinco filhos no orfanato; Gramsci e seus intelectuais orgânicos; Dewey e sua escola renovada pragmática e experimentalista; Skinner, para quem o que vale para o rato, vale para o homem; ou qualquer teórico liberal-tecnicista, libertário ou “libertador”. Todos eles falharam. A filosofia e a arte modernas o provam!

Ser pedagogo é saber ensinar a quem, geralmente, não quer aprender. É uma arte só dominada por vocacionados. E ser andragogo é encarar alunos, mesmo em idade avançada, com deficiência cognitiva. Mas um bom retor sabe adaptar o discurso à plateia. O professor excelente é aquele que domina o conteúdo, que é uma autoridade do saber por conta dos seus estudos. Na paidéia grega o objetivo era a areté, a excelência na virtude, não a “liberdade de pensamento para uma sociedade democrática” (Dewey) ou a “luta de classes” (Freire). Ela era adquirida pelo desenvolvimento integral do ser humano, com a ética e a estética. Primava-se pela sabedoria, coragem, harmonia, beleza etc. É preciso ser nobre, aristocrático, para ensinar valores. O educador deve ser transformador sim, mas não da sociedade, ele deve transformar a criança, o jovem ou o adulto com uma técnica maiêutica: de dentro para fora. São as características fundamentais do educador, segundo o padrão de Clapp: virtude do acolhimento, boa aparência pessoal, otimismo, dignidade e reserva, entusiasmo, imparcialidade em retratar o necessário e não discriminar os alunos, sinceridade, simpatia, vitalidade e, last but not least, cultura.

Antes de abraçar a escola moderna brasileira, dita “crítica” e “reflexiva”, com sua LDB, seu MEC, sua BNCC e ações da UNESCO, primemos pela autoeducação. Não trato aqui somente do acúmulo de dados per si, mas do conhecimento que realmente liberta, e liberta a pessoa de ser absorvida pelo coletivo, sem, no entanto, se reduzir a um mero indivíduo atomizado. Vivemos em uma sociedade de sociedades, com famílias, municípios, paróquias, entidades de classes, ONG’s e outras comunidades, então é para nós mesmos e para a pátria que nos educamos. Educação também é etiqueta (regras de convenções sociais), cortesia, cavalheirismo e assim por diante. Não há nada mais politicamente incorreto que as boas maneiras, o amparo ao inferior, levantar para o mais velho sentar, tirar o chapéu ao ver um Padre, abrir a porta do carro para uma moça, ser limpo, ter trato no falar e no vestir.

A educação é a transmissão de valores, o que não cabe ao estado moderno, que deveria ensinar ao menos a ler, escrever e contar. Baseado em uma cosmovisão coletivista, o indivíduo nasce para a massa e é função do estado estar presente em todas as fases de sua vida, lecionando que o trabalho manual tem o mesmo valor que o intelectual. A família, segundo se crê, é incompetente, o que justifica a “educação obrigatória” como “direito de todos e dever do Estado” (Art. 205 - CF/88). A educação domiciliar, por exemplo, que já é provado ser superior, não pode existir, porque concorre com a estatal, daí que regimes totalitários nunca formaram eruditos e filósofos, vide o exemplo espartano frente ao ateniense.

No estado confessional, enaltecedor da Civilização Cristã, onde tudo é ordenado pela Igreja no plano espiritual e Cristo é declarado Rei no plano temporal, não há brecha para escolas sem Deus. As instituições escolares devem ensinar o catecismo desde a mais tenra idade, combater a coeducação e reservar os assuntos de sexualidade para as famílias (disse Nosso Senhor: “ai de quem escandalizar um desses pequeninos!”). Quatro são os métodos mais indicados para formar crianças para o Céu e homens sábios:

1 - A Educação Clássica - Iniciada por Pitágoras, está fundamentada no Trivium (gramática, lógica e retórica) e no Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música), e eram as matérias da Academia Platônica, do Liceu Aristotélico e da Escolástica. É toda embasada no número e na letra, na ordem e na palavra. O estudo dessas Artes Liberais construiu a Civilização Romano-Cristã, continuadora direta da cultura greco-romana. Começa a declinar com o humanismo.

2 - A Educação Jesuítica - Inspirada na Educação Clássica e sistematizada no livro Ratio Studiorum, foi uma reação contra a pseudo-reforma protestante. Teve muitas vitórias e ótimos frutos na catequização de índios no novo mundo, civilizando-os. Estes eram ágrafos e, através do método, receberam uma requintada instrução. Sofre um grande golpe após ser proibida no reino e colônias pelo déspota Marquês de Pombal, e substituída pelas chamadas “aulas régias”, de caráter laico e enciclopédico.

3 - A Pedagogia Tradicional - Desenvolvida pelo alemão Friedrich Herbart, o precursor da pedagogia como ciência. Sistematizou seu método no livro “Pedagogia Geral” e acreditava no diálogo com a psicologia. Sua metodologia era a resolução de exercícios, a memorização, tarefas de casa e avaliações com provas arguitivas e escritas. O professor era o modelo e o silêncio imposto com autoridade. Ensinava a liberdade interior para desejar o bem, a plenitude dos valores nobres, a benevolência em relação ao próximo, a justiça e a equidade.

4 - O Sistema Preventivo - Resultado da vasta experiência de São João Bosco com os jovens. Chama-se preventivo porque colocava os rapazes na moral impossibilidade de cometerem faltas. Seu objetivo era leva-los à perfeição cristã, pelo desenvolvimento somático e psíquico (físico, moral, intelectual e, principalmente, espiritual). Era um método onde haviam castigos (para corrigir o mau uso da liberdade), mas também prêmios (como elogios, para mostrar quando o aluno estava no bom caminho). 

Quaisquer teorias e métodos (liberais, tecnicistas, progressistas, renovados, lancasterianos, waldorfianos, construtivistas, histórico-críticos etc.), que não sejam os quatro supracitados, são problemáticos, porque retiram a ascendência do mestre ao reproduzirem uma cosmovisão relativista (e niveladora) e superestimarem o experimentalismo, dando uma independência anômica ao discente, enfraquecendo sua vontade (liberando os desejos desenfreados). Urge uma gnosiologia não maculada pela epistemologia, que tanto deprecia o autodomínio e a introspecção. A realidade não é um dado interno ou o conhecimento obtido com a interação puramente empírica. Se a verdade existe somente no intelecto, ou, antes, nas coisas, explica Santo Tomás, de início citando o Bispo de Hipona: “Agostinho reprova esta definição da verdade: A verdade é aquilo que é visto; porque, então, as pedras, ocultas no mais profundo seio da terra, não seriam verdadeiras pedras, porque não se veem. Também reprova esta outra: A verdade é tal que é vista pelo sujeito, se quiser e puder conhecê-la; pois, se assim fosse nenhuma verdade existiria, se ninguém pudesse conhecê-la. E define assim a verdade: A verdade é o que é. Donde se conclui, que a verdade está nas coisas e, não, no intelecto. Mas arremata o Aquinate: Sendo toda realidade verdadeira, na medida em que tem a forma própria da sua natureza, necessariamente o intelecto conhecente será verdadeiro, na medida em que tem semelhança com a coisa conhecida, que é a forma do mesmo enquanto conhecente. E, por isso, a verdade é definida como a conformidade da coisa com a inteligência. Donde, conhecer tal conformidade é conhecer a verdade.” Quer dizer, há a objetividade do ser, mas também a cognição que apreende o ser manifestado. A verdade não é uma construção mental, ela pode ser conhecida e é a adequação do intelecto com a coisa, havendo nesta valor intrínseco. O conhecimento se dá através da sensibilidade e do intelecto, o processo de conhecimento do real, parte do homem e todas as suas faculdades.

Elucida-nos Mário Ferreira dos Santos, que “chama-se ‘teoria do conhecimento’ à explicação e à interpretação filosófica do conhecimento humano. É este um tema de magna importância e fundamental para a filosofia, e tanto é assim que muitos tratadistas julgam que, por ele, se deve iniciar todo e qualquer estudo.” Concordando com o maior filósofo brasileiro, acrescento que é um tema essencial, da mesma maneira, para o educador. A possibilidade do conhecimento deve possuir uma resposta dogmática para o católico, ao entender que ela é dada pelo contato entre o sujeito e o objeto, com a apreensão do segundo pelo primeiro. Afastando, assim, (1) o ceticismo, para o qual o sujeito não pode apreender o objeto; (2) o subjetivismo-relativista, para o qual a influência do meio determina o objeto, que sofre variabilidades. Limitando ou relativizando a validez do sujeito que conhece; e (3) o pragmatismo, para o qual a verdade é fundada na sua utilidade para a existência humana.

Quanto à origem do conhecimento, o educador católico deve assumir uma posição intelectualista, que procure “encontrar um meio-termo entre os extremos do racionalismo e do empirismo. A experiência e o pensamento formam as bases do conhecimento humano. O intelectualismo deriva da experiência os conceitos, mas estes exercem sua ação sobre as representações intuitivas sensíveis.” (Mário Ferreira dos Santos).

Ninguém pode negar que o estudo é um ato penoso, caso contrário não haveria tanta gente medíocre, que se conforma com a pouca instrução que de antemão adquiriu. “O bem mais escasso no século XXI não é a água, é a inteligência.” (Pierluigi Piazzi). O conhecimento pesa, pode ser insuportável, e alguns até se suicidam por isso. O labor intelectual e o ócio criativo cansam e consomem energia. Escrever este breve ensaio me tomou alguns dias, no entanto é como pintar um quadro ou desenvolver qualquer produto de uma arte servil. Um intelecto não progride, uma pessoa não fica mais instruída relativizando todos os “saberes”. Há uma alta cultura e a única forma de acessá-la é com livros, caderno e caneta em mãos, o bumbum na cadeira, silêncio e boa memória: esta é a atitude realmente libertadora!