domingo, 28 de janeiro de 2018

Uma Defesa da Propriedade Privada e da Redução do Estado


por Davi M. Simões

Qualquer católico mais ou menos estudado diria que o regime ideal seria uma monarquia tradicional, baseada no Direito Natural e na Doutrina Social da Igreja. Mas como os homens são imperfeitos, assim também são os regimes políticos. A única instituição infalível é a Santíssima Igreja, Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A tradição não exclui a prudência, uma das virtudes cardeais, que é definida como o reto agir, o equilíbrio, o bom senso, a precaução. Tradição sem prudência vira regressismo, que é uma mentalidade tão revolucionária quanto o progressismo. Ambas propõem “receitas de bolo” para corrigir as relações humanas. Ambas se ancoram no que acreditam ser uma ordem social perfeita, seja do passado, como no primeiro caso, seja do futuro, como no segundo. O reacionário é um regressista que não se conforma com as mudanças e vê na antiguidade, na Idade Média ou na Rússia bolchevique, por exemplo, eras de ouro que deveriam ser restauradas a qualquer custo, recorrendo ao uso da violência. Não é encargo do católico antecipar um “reino de paz” na terra e nem dominar a história, isto é gnosticismo puro e simples.

Quando os grandes doutores medievais chegaram ao ápice da erudição eles não possuíam como parâmetro época alguma, não havia qualquer idade do passado que se baseassem e sabiam que com o estudo do trivium e do quadrivium desbravavam novos mares. Se, por um lado, um Leonardo Boff é incompetente para ampliar a Suma Teológica, por outro lado, ainda não nasceu nenhum novo Santo Tomás para dar soluções aos problemas modernos e inaugurar uma “outra Idade Média”, construindo uma nova catedral gótica do pensamento com sua lógica irretocável. Os museus servem para nos lembrar justamente isso, para lamentarmos o que criamos e que somos incapazes de recriar, principalmente quando a arte não é mais feita para expressar - pela proporção e simetria - a beleza e proporcionar o prazer, ou para nos mostrar que compartilhamos com o Primeiro princípio o ato criador. A arte deveria ser, como foi pra Friedrich Nietzsche, uma ode à vida, sua grande possibilitadora. Hoje ela só serve para chocar e tem no feio, no disforme e no monstruoso o seu molde.

A tradição também não exclui a democracia. Aristóteles elenca três formas puras de governo: a monarquia (governo de um), a aristocracia (governo dos melhores) e a democracia (governo popular). Sendo que estes governos, se desviados, gerariam as formas impuras de tirania, oligarquia e demagogia, respectivamente. Para Santo Tomás, o maior de todos os aristotélicos, o governo perfeito seria uma combinação das três formas puras: um chefe único com autoridade sobre todos; um determinado número de chefes subalternos, qualificados segundo a virtude; e uma multidão de pessoas comuns com o poder de serem eleitas ou de serem eleitoras. 

Qualquer regime verdadeiramente democrático não pode ser impositivo. Mesmo em um governo de maioria, se for despótico, deixa de ser democrático, como bem notou Karl Popper. Vimos isso nas revoluções francesa de 1789, russa de 1917 e alemã de 1933. Uma monarquia deve ser aclamada pelo povo, isso quer dizer que não deve ser implementada usando as mesmas armas da revolução, que desembocaria na degradação dos costumes. Citemos Roberto Sá Motta sobre como Joseph De Maistre concebia a Contra-revolução: “ela não deve ser como uma revolução contrária, mas o contrário da revolução, mediante uma ‘comoção doce’, pois não poderia lançar mão dos mesmos instrumentos usados pelos revolucionários. Para fazer a revolução fora necessário derrubar a religião, ultrajar a moral, violar a propriedade e cometer todo tipo de crimes. Tratava-se de um combate entre vício e virtude em que o rei, na sua infinita justiça e misericórdia, daria o exemplo aos demais.”

O conceito de “guerra justa”, desenvolvido por Santo Agostinho e tão pregado por São Bernardo de Claraval, também exige condições: uma autoridade adequada (Papa, rei ou sacerdote), uma causa adequada importante e o total afastamento do desejo de causar dano, da crueldade da vingança, de uma mente implacável e insaciável, da selvageria da revolta e do orgulho da dominação.

Todas as áreas do conhecimento devem estar submetidas à Teologia, ela é a única ciência portadora de verdades eternas e imutáveis; todavia, tanto a Teologia, quanto a política, o Direito ou a economia possuem, cada uma per si, formas absolutamente diferentes de serem pensadas e empregadas. O católico não deve se preocupar com o regime político em si, mas se ele dá ou não as possibilidades mínimas de praticar sua religião e de ditar o que acredita ser o melhor para sua família. Para isso é preciso dois pré-requisitos: a defesa da propriedade privada e da redução do estado. 

A propriedade privada é um direito natural como o direito à vida, à liberdade ou à legítima defesa, que não precisam necessariamente estar positivados. Após a ascensão do pensamento normativista do judeu Hans Kelsen, o direito se tornou “sem alma”, “cadavérico”, como disse Alceu Amoroso Lima, e seus operadores não passam de meros burocratas técnicos. A doutrina kelseniana, ao dissociar o direito da moral, esvaziou a função do jurista, que na Roma antiga deveria agir segundo os três preceitos básicos de Ulpiano: viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence”. Não há nexo em se distribuir direitos indiscriminadamente, o direito de alguém pressupõe o dever de outrem. Mais úteis que os direitos são os deveres para com a sociedade (que precede o indivíduo) e para com a família (célula mater da sociedade, que nasce da íntima comunhão de vida e de amor fundada no matrimônio indissolúvel entre um homem e uma mulher). 

A propriedade é condição de liberdade, é o fruto do trabalho do homem para manter sua família. Como prega o distributismo, teoria política e econômica baseada na Doutrina Social da Igreja, só existe democracia quando é baseada na distribuição da propriedade. Um homem sem bens é um homem permanentemente dependente. Diz-se “distribuição da propriedade”, pois ao contrário do capitalismo, que prega poucas famílias com muita propriedade, o distributismo prega muitas famílias com pouca propriedade. 

Quanto à redução do estado, este deve possuir as funções essenciais de saúde e segurança. Elementos radicalmente liberais, como Frédéric Bastiat, pregaram o estado mínimo e a privatização de tudo, inclusive da justiça. No Brasil, dada a pedagogia paulofreiriana, mas não só por isso, ao estado não deveria caber a função de educação dos nossos filhos, talvez apenas, em última instância, o ensino dos mesmos. O ensino é a transmissão do conhecimento; a educação a transmissão de valores. Sendo o estado uma entidade jurídica foi criado por homens, por isso é falho, e sendo um mal, que não seja máximo, nem mínimo, mas necessário. 

Podemos destacar três principais doutrinas econômicas sobre o estado: o liberalismo, com o foco no indivíduo, priorizando a liberdade, embora seja uma liberdade negativa, significando apenas ausência de restrição; o socialismo, com o foco no coletivo, priorizando a igualdade, anulando a pessoa na “tirania das massas” (Ortega y Gasset); e a Doutrina Social da Igreja, com o foco na família, priorizando a propriedade limitada pela justiça e o bem comum, relacionando a liberdade aos direitos naturais e exaltando o princípio de subsidiariedade.

O princípio de subsidiariedade busca regular o intervencionismo do estado, tratando-o como um ente não superior ao setor privado. O estado entra unicamente quando falte ou seja insuficiente a iniciativa privada, dando prioridade às famílias, comunidades, associações, ONG’s, entidades culturais, econômicas e outros grupos. Esse princípio nós compartilhamos com os liberais, embora a noção de liberdade e do propósito da propriedade sejam diferentes. O coletivismo é um mal infinitamente maior, em regimes nesse molde o cristianismo é proibido, perseguido, seus praticantes colocados em campos de concentração e fuzilados, sem falar que os meios de produção ficam exclusivamente sob a tutela do partido de vanguarda que controla o estado. No coletivismo o cristianismo é a grande ameaça. Como consequência da "Lenda Negra" sobre o catolicismo, para os bolivarianos ele é visto como a religião dos opressores que dizimaram os nativos. Isto explica a recente proibição da evangelização pública na Bolívia (2018), mesmo 93% da população se declarando cristã. No bolivarianismo há uma exaltação reacionária da antiguidade pagã, com o culto aos seus “deuses” ancestrais e à identidade nacional indígena. Há um forte apelo nacionalista, “que é uma patologia da fidelidade nacional” (Roger Scruton), e uma confiança cega no estado. Portanto, onde o estado comanda tudo, incluindo as universidades, não pode haver autêntica democracia.